Clara de Assis foi uma mulher luz, uma presença marcante na Igreja de sua época e de todos os tempos. Sua história e sua decisão surpreendem. Hortolana, a mãe de Clara estava grávida, em Assis, Itália, no ano de 1193. Aproximando-se a data do parto, foi à igreja rezar diante da Cruz, pedindo uma hora feliz. Lá ouviu a Voz que lhe anunciou que a criança no seu seio seria uma luz resplandecente: “Darás à luz uma filha que iluminará todo o mundo.” Por causa desta mensagem divina, ao nascer, a pequenina recebeu o belíssimo nome de Clara. A infância de Clara decorreu no âmbito de uma família rica e nobre. Filha de Hortolana e de Favarone de Ofreduccio, residia na praça da catedral de Assis, e passava o verão num castelo de propriedade da família, na região da Úmbria. Era uma menina delicada e sensível, luminosa, uma criança que recebeu uma formação excelente da mãe. Aprendeu a ser delicada e cordial, bondosa e compassiva com os pobres. Clara foi aprendendo com a mãe a compartilhar com os pobres aquilo que havia na abundância da mesa de um palácio nobre. Especialmente o espírito de oração ela ardentemente captou do ensinamento sábio de sua mãe. Clara gostava de rezar. Ainda pequena, descobriu como contar os pai-nossos com pedrinhas escolhidas. O Espírito de Deus a atraía para a interioridade, para a vivência do essencial e do amor a Jesus Cristo. Durante parte da infância e da adolescência, no período da guerra entre Assis e Perúgia, refugiou-se com a família na cidade de Perúgia, que deu acolhida aos nobres. No seio de uma família nobre, recebe uma esmerada educação, fundamentada nos valores cristãos e, bem jovem, já havia elaborado um modo de vida de acordo com a espiritualidade leiga penitencial que florescia em sua época: sua vida é devota e honesta, penitente e misericordiosa. Dedica-se à oração e às obras de caridade, pratica o jejum e algumas formas de penitência, recusa com firmeza todas as propostas de casamento, desejando viver a virgindade. Seu comportamento, nos moldes da cultura cortês-cavalheiresca de sua época, é descrito como honesto e de boa fama, gentil e cortês. É discreta, reservada e silenciosa, estimada por todas as pessoas, tanto no palácio da família situado na praça de São Rufino em Assis, como fora. De sua própria mãe, Hortolana, recebeu os fundamentos de tal formação, ela que era mulher de oração, peregrinações, trabalho e cuidado para com os pobres. Nisto, as duas se reconhecem naquelas formas de vida e piedade leiga, praticadas de maneira típica pelas mulheres medievais, sem ingressar num mosteiro. Entretanto, existe algo a analisar, para além deste comportamento típico. Alguns detalhes elencados pelas Fontes nos ajudam a perceber aquilo que não está escrito sobre o segredo interior de uma busca e inquietude mais profundas e autênticas de possibilidade de vida cristã. São detalhes que se manifestam em práticas que ultrapassam ou mesmo contrariam as normas familiares. Vejamos alguns exemplos. A família de Clara era rica; ela e a mãe visitavam os pobres e faziam generosas doações. Mas Clara, não satisfeita com isso, mandava a eles alimentos dos quais se privava, dando a impressão com isso, que sentia a necessidade de oferecer algo seu, significando uma real partilha, através da qual visse alterado seu estilo e padrão de vida rica e nobre, em privações e jejum. Além disso Clara, uma bela jovem, gostava de estar sempre em casa escondida, porque não queria ser vista; apreciava falar das coisas de Deus, fazia tudo por adiar o casamento, rejeitando as propostas da família, porque havia decidido permanecer na virgindade. Não era a família que ocultava Clara. Ao contráio, os parentes tratavam de evidenciar sua beleza e casá-la na nobreza. O escondimento e a virgindade são uma escolha pessoal de Clara. Estes procedimentos manifestam um posicionamento crescente e decisivo, perante a presença de um apelo interior que foi se tornando sempre mais forte.Aqui chegamos, por fim, às atitudes mais ousadas de Clara: a fuga de casa na noite de domingo de ramos de 1211, programada com Francisco, e a venda de sua herança, gestos que extinguem completamente as pretensões de um casamento que viesse a ampliar as riquezas e alianças familiares. Clara foge de casa para consagrar-se a Deus na igrejinha da Porciúncula; Francisco corta seus cabelos e a conduz ao mosteiro beneditino de São Paulo das Abadessas. Ali permanece pouco tempo, e a família tenta de todas as formas fazê-la retornar, sem resultados. Depois vai para o Mosteiro de Santo Ângelo de Panzo, onde se junta a ela sua irmã Catarina (depois chamada Inês por Francisco), agravando ainda mais as tensões familiares, tanto que as duas enfrentam novo assalto, mas permanecem firmes na decisão. Finalmente, ainda com a orientação de Francisco, passam a residir em São Damião, igrejinha reconstruída por ele, e ali tem origem o novo estilo de vida evangélica feminina, com a vinda de novas companheiras.
Torna-se evidente que todo esse gradativo processo foi cheio de tensões e dificuldades, fruto de uma busca intensa e prolongada, de um amadurecimento interior, discernido especialmente a partir da opção feita por Francisco. O modo como Clara concretizou sua vocação evangélica nos quarenta e dois anos de vida reclusa em São Damião, brilhando pelo testemunho de uma opção radical e toda singular, ilustra bem o presságio ou então intuição que a mãe Hortolana, durante a gravidez e próxima do parto em que daria à luz sua primeira filha, tivera a respeito de uma missão cristã original, como luz que iria iluminar toda a vida da Igreja; por isso no batismo dera a ela o nome não comum na época, de Clara. Além disso, o designativo de Cristã, que Francisco comumente dava referindo-se a Clara, ilumina e comprova esse mesmo testemunho evangélico, segundo uma compreensão neo-testamentária que vê os cristãos e cristãs como eleitos de Deus, escolhidos, chamados e convocados para realizar uma missão. É esta idéia de vocação divina na Bíblia que aparece no pensamento de Clara, e que ela expressa em seus escritos, quando se refere à vocação à qual foi chamada.
No Mosteiro de São Damião, em Assis, o caminho de Clara atrai muitas jovens mulheres, inclusive algumas primas, sua duas irmãs, Inês e Beatriz, e a mãe Hortolana. Também pertencem à história a rápida multiplicação das Damas Pobres, a di-fusão dos mosteiros de Clarissas por todas as regiões da Europa; as visitas a São Damião do Cardeal Reinaldo de Hóstia, mais tarde Papa Inocêncio IV.


Nenhum comentário:
Postar um comentário