26 de ago. de 2009

Santa Clara de Assis


Clara de Assis foi uma mulher luz, uma presença marcante na Igreja de sua época e de todos os tempos. Sua história e sua decisão surpreendem. Hortolana, a mãe de Clara estava grávida, em Assis, Itália, no ano de 1193. Aproximando-se a data do parto, foi à igreja rezar diante da Cruz, pedindo uma hora feliz. Lá ouviu a Voz que lhe anunciou que a criança no seu seio seria uma luz resplandecente: “Darás à luz uma filha que iluminará todo o mundo.” Por causa desta mensagem divina, ao nascer, a pequenina recebeu o belíssimo nome de Clara. A infância de Clara decorreu no âmbito de uma família rica e nobre. Filha de Hortolana e de Favarone de Ofreduccio, residia na praça da catedral de Assis, e passava o verão num castelo de propriedade da família, na região da Úmbria. Era uma menina delicada e sensível, luminosa, uma criança que recebeu uma formação excelente da mãe. Aprendeu a ser delicada e cordial, bondosa e compassiva com os pobres. Clara foi aprendendo com a mãe a compartilhar com os pobres aquilo que havia na abundância da mesa de um palácio nobre. Especialmente o espírito de oração ela ardentemente captou do ensinamento sábio de sua mãe. Clara gostava de rezar. Ainda pequena, descobriu como contar os pai-nossos com pedrinhas escolhidas. O Espírito de Deus a atraía para a interioridade, para a vivência do essencial e do amor a Jesus Cristo. Durante parte da infância e da adolescência, no período da guerra entre Assis e Perúgia, refugiou-se com a família na cidade de Perúgia, que deu acolhida aos nobres. No seio de uma família nobre, recebe uma esmerada educação, fundamentada nos valores cristãos e, bem jovem, já havia elaborado um modo de vida de acordo com a espiritualidade leiga penitencial que florescia em sua época: sua vida é devota e honesta, penitente e misericordiosa. Dedica-se à oração e às obras de caridade, pratica o jejum e algumas formas de penitência, recusa com firmeza todas as propostas de casamento, desejando viver a virgindade. Seu comportamento, nos moldes da cultura cortês-cavalheiresca de sua época, é descrito como honesto e de boa fama, gentil e cortês. É discreta, reservada e silenciosa, estimada por todas as pessoas, tanto no palácio da família situado na praça de São Rufino em Assis, como fora. De sua própria mãe, Hortolana, recebeu os fundamentos de tal formação, ela que era mulher de oração, peregrinações, trabalho e cuidado para com os pobres. Nisto, as duas se reconhecem naquelas formas de vida e piedade leiga, praticadas de maneira típica pelas mulheres medievais, sem ingressar num mosteiro. Entretanto, existe algo a analisar, para além deste comportamento típico. Alguns detalhes elencados pelas Fontes nos ajudam a perceber aquilo que não está escrito sobre o segredo interior de uma busca e inquietude mais profundas e autênticas de possibilidade de vida cristã. São detalhes que se manifestam em práticas que ultrapassam ou mesmo contrariam as normas familiares. Vejamos alguns exemplos. A família de Clara era rica; ela e a mãe visitavam os pobres e faziam generosas doações. Mas Clara, não satisfeita com isso, mandava a eles alimentos dos quais se privava, dando a impressão com isso, que sentia a necessidade de oferecer algo seu, significando uma real partilha, através da qual visse alterado seu estilo e padrão de vida rica e nobre, em privações e jejum. Além disso Clara, uma bela jovem, gostava de estar sempre em casa escondida, porque não queria ser vista; apreciava falar das coisas de Deus, fazia tudo por adiar o casamento, rejeitando as propostas da família, porque havia decidido permanecer na virgindade. Não era a família que ocultava Clara. Ao contráio, os parentes tratavam de evidenciar sua beleza e casá-la na nobreza. O escondimento e a virgindade são uma escolha pessoal de Clara. Estes procedimentos manifestam um posicionamento crescente e decisivo, perante a presença de um apelo interior que foi se tornando sempre mais forte.
O mistério de um chamado interior vai tomando configuração na resposta concreta que ela passa a dar. Neste sentido, a originalidade do comportamento de Clara culmina com os encontros secretos que manteve com Francisco. Clara os manteve clandestinos e sigilosos para evitar que a família interferisse em sua decisão, amadurecida ao longo dos contatos, cujo teor era a conversão para o seguimento de Jesus Cristo. Se é impossível precisar quando e como se deu o chamado pessoal que Deus dirigiu a Clara no sentido da consagração e do carisma contemplativo, mais concreto é perceber como, através desses comportamentos, emerge uma decisão firme e convicta, para a qual a opção evangélica de Francisco aparece como uma forma de dar concreticidade aos anseios que estavam em seu coração. Sua profunda busca a conduzia rumo a uma direção arriscada e perigosa, incompatível com sua condição de nobreza e com o futuro que normalmente lhe seria reservado. Por isso, tinha consciência de estar fazendo algo que os seus familiares não aprovariam, mas manteve fixo o olhar na meta que desejava alcançar. A pregação de Francisco de Assis estava despertando uma significativa efervescência vocacional. Sua opção de pobreza evangélica e seu ensinamento provocavam por parte de homens e mulheres grandes mudanças de vida. Clara foi também tocada de alguma forma, procurou Francisco e recebeu orientação, decidindo livremente pelo seguimento de Jesus Cristo. O testemunho de Francisco, portanto, está na origem da vida nova iniciada por Clara e isso ela mesma afirma em seu Testamento. Nos encontros secretos, ele orientava Clara a se converter a Jesus Cristo, e isto, no contexto evangélico pregado por ele próprio, significava encorajá-la a deixar tudo, vender seus bens e dar o resultado aos pobres, para seguir Jesus em pobreza; foi o que ela fez. O modelo da vocação pela qual Clara opta é idêntico ao de Francisco: o seguimento de Jesus Cristo. Assume então, um estilo de vida que implica em mudança de condição social, provocando um rompimento radical com a família, pois os projetos que esta nutria foram realmente os maiores obstáculos enfrentados em sua vocação; obrigam-na a escolher a estratégia da fuga, como única maneira de dar início a uma vida de radicalidade evangélica, à qual ela se entregaria sem certezas e planos, exceto no que diz respeito ao essencial que é o seguimento de Jesus conforme é proposto nos Evangelhos. 
Aqui chegamos, por fim, às atitudes mais ousadas de Clara: a fuga de casa na noite de domingo de ramos de 1211, programada com Francisco, e a venda de sua herança, gestos que extinguem completamente as pretensões de um casamento que viesse a ampliar as riquezas e alianças familiares. Clara foge de casa para consagrar-se a Deus na igrejinha da Porciúncula; Francisco corta seus cabelos e a conduz ao mosteiro beneditino de São Paulo das Abadessas. Ali permanece pouco tempo, e a família tenta de todas as formas fazê-la retornar, sem resultados. Depois vai para o Mosteiro de Santo Ângelo de Panzo, onde se junta a ela sua irmã Catarina (depois chamada Inês por Francisco), agravando ainda mais as tensões familiares, tanto que as duas enfrentam novo assalto, mas permanecem firmes na decisão. Finalmente, ainda com a orientação de Francisco, passam a residir em São Damião, igrejinha reconstruída por ele, e ali tem origem o novo estilo de vida evangélica feminina, com a vinda de novas companheiras. 
 Torna-se evidente que todo esse gradativo processo foi cheio de tensões e dificuldades, fruto de uma busca intensa e prolongada, de um amadurecimento interior, discernido especialmente a partir da opção feita por Francisco. O modo como Clara concretizou sua vocação evangélica nos quarenta e dois anos de vida reclusa em São Damião, brilhando pelo testemunho de uma opção radical e toda singular, ilustra bem o presságio ou então intuição que a mãe Hortolana, durante a gravidez e próxima do parto em que daria à luz sua primeira filha, tivera a respeito de uma missão cristã original, como luz que iria iluminar toda a vida da Igreja; por isso no batismo dera a ela o nome não comum na época, de Clara. Além disso, o designativo de Cristã, que Francisco comumente dava referindo-se a Clara, ilumina e comprova esse mesmo testemunho evangélico, segundo uma compreensão neo-testamentária que vê os cristãos e cristãs como eleitos de Deus, escolhidos, chamados e convocados para realizar uma missão. É esta idéia de vocação divina na Bíblia que aparece no pensamento de Clara, e que ela expressa em seus escritos, quando se refere à vocação à qual foi chamada. 

No Mosteiro de São Damião, em Assis, o caminho de Clara atrai muitas jovens mulheres, inclusive algumas primas, sua duas irmãs, Inês e Beatriz, e a mãe Hortolana. Também pertencem à história a rápida multiplicação das Damas Pobres, a di-fusão dos mosteiros de Clarissas por todas as regiões da Europa; as visitas a São Damião do Cardeal Reinaldo de Hóstia, mais tarde Papa Inocêncio IV.  
 O acontecimento externo mais importante durante este largo período de silêncio, contemplação e oração, foi o assalto do mosteiro, em 1240, pelos sarracenos, mercenários de Frederico II, imperador da Germânia, e a milagrosa libertação graças à oração de Clara. Enferma há tempo, se fez conduzir ao refeitório, contra cuja porta se colocava a fúria dos sarracenos, que já haviam descido ao claustro. Ali, sustentada por suas companheiras, prostrou-se em oração diante do Santíssimo Sacramento, encerrado dentro de um confrezinho de prata e de marfim. Sua oração foi ouvida nessa ocasião, e também em outra, em que os mesmos mercenários estavam para tomar os muros da cidade de Assis. Finalmente, a historicidade desse período de reclusão está presente e operante na santidade de Clara: o exercício heróico da virtude, a caridade incansável diante de qualquer forma de sofrimento, a defesa da pobreza, o espírito de sacrifício, a contemplação de Deus na oração até os arroubos e êxtases. E neste terreno tão fértil, um florescimento de milagres: o pão que se multiplica, o azeite que não falta, a cura de várias enfermidades de irmãs e de outras pessoas, ao suave contato de sua mão, de seu véu, ou com o sinal da cruz e com a oração. Milagres que estão presentes na vida de todos os santos e santas, e que se renovam cada vez que alguém, correspondendo a uma vocação, se une de tal modo a Deus, que tem à sua disposição o poder infinito. Diante deles, os cânones da história podem ficar mudos e inativos, sem que por isto deixem de ser realidades concretas e fecundas. Deste ponto de vista, tudo o que contém o Processo de Canonização de Santa Clara, pode considerar-se digno de fé, sobretudo se é corroborado pela Legenda. O processo foi conduzido com extrema severidade pelo Bispo Bartolomeu de Espoleto e o tribunal por ele instituído, entre os dias 24 a 29 de novembro de 1253, no Mosteiro de São Damião e na igreja de São Paulo em Assis. A Legenda não se limitou a utilizar as atas do Processo, mas quis confirmar suas notícias mediante o recurso direto às fontes mais autorizadas: as companheiras e Clara e os companheiros de Francisco. Clara morreu no Mosteiro de São Damião, após quarenta e dois anos de vida reclusa, na manhã do dia 11 de agosto de 1253 na presença das irmãs do mosteiro e também de três companheiros de São Francisco: Frei Junípero, Frei Ângelo e Frei Leão junto ao leito de morte de Clara. Foi canonizada pela Igreja no dia 15 de agosto de 1255, pelo Papa Alexandre IV.

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